Em um cenário de crescente demanda por transparência e accountability nas instituições públicas, as Forças Armadas do Brasil encontram-se no centro de um debate intenso sobre o acesso à informação e a fiscalização pública. A Revista Sociedade Militar, com a ajuda da Controladoria Geral da União (CGU), encontra-se em um embate silencioso com o Exército e a Marinha pela divulgação de uma lista de generais que foram submetidos a punições disciplinares nos últimos anos.
A revista, segundo informado em seu site, investiga a influência sobre a disciplina causada pela excessiva participação das Forças Armadas nos processos políticos após o início do governo Bolsonaro, quando vários generais ainda na ativa e alguns da reserva acabaram sendo deslocados para cargos políticos no governo, o que teria causado questionamento por parte da tropa, que teria se encontrado em um dilema entre agradar os chefes em cargos políticos e se manter fiéis à destinação constitucional.
Este confronto causado pela solicitação das informações não apenas destaca a tensão entre a necessidade de transparência e a cultura tradicional de sigilo das instituições militares, mas também testa os limites da Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI).
Recentemente, a obrigatoriedade de fornecer dados sobre a punição do General Pazuello pelo Exército sinalizou uma possível mudança de paradigma, embora a resistência persista para que outras punições permaneçam sob sigilo. A situação ilustra um cabo de guerra entre a demanda da sociedade por transparência e a predisposição das Forças Armadas em manter certas informações restritas.
A Lei de Acesso à Informação e o Escrutínio Público
A LAI estabelece o princípio de que a transparência é a regra, e o sigilo, a exceção. Esta legislação enfatiza que atos administrativos, incluindo punições disciplinares no âmbito militar, devem ser acessíveis ao público, resguardando, claro, informações pessoais sensíveis e legalmente protegidas.
Tal preceito é reforçado pela decisão da CGU no caso Pazuello, onde se determinou que os processos disciplinares militares, uma vez concluídos, são passíveis de acesso público.
O Direito da Sociedade à Informação
A demanda da Revista Sociedade Militar por detalhes sobre as punições de oficiais generais nos últimos dez anos reflete uma compreensão mais ampla de que a sociedade, como superior hierárquico de todas as instituições públicas, tem o direito inalienável de fiscalizar e entender as ações de seus servidores. Essa perspectiva é ancorada na Constituição de 1988, que estabelece que todo o poder emana do povo.
A Resposta das Forças Armadas e a CGU
Apesar das solicitações baseadas em precedentes e na legislação vigente, as Forças Armadas, resistem à divulgação das informações, citando preocupações com a disciplina e hierarquia militares. No entanto, essa postura encontrou obstáculos legais e pressões sociais, evidenciando um dilema entre a manutenção da ordem interna e o compromisso com a transparência. No caso Pazuello, a sociedade acabou vencendo o tradicionalismo militar.
A Revista Sociedade Militar em seu texto deixa bem claro que na visão de vários juristas preceitos como hierarquia e disciplina estão presentes em todas as instituições públicas e que a divulgação de processos disciplinares de qualquer funcionário pública não causa nenhuma espécie de abalo, muito pelo contrario, os fortaleceria por deixar claro que todos, sem distinção, estão sujeitos aos regulamentos.
O Exército solicitou a CGU um adiamento na entrega das informações, segundo a RSM a força resiste em se curvar as exigências democráticas da atualidade.
O Papel da Advocacia e a Cultura de Sigilo
Especialistas em direito militar, como Cláudio Lino, argumentam que, apesar da existência de hierarquia e disciplina, não há justificativa para que atos administrativos, especialmente aqueles relacionados a punições disciplinares, permaneçam em segredo. A resolução desse conflito não apenas impactará o acesso à informação relevante para a sociedade, mas também refletirá na maturidade democrática do Brasil, equilibrando segurança nacional e transparência.
“este impasse … evidencia um momento crítico na relação entre instituições militares e a sociedade civil no Brasil, desafiando os limites da legislação de acesso à informação frente à tradição de confidencialidade militar. A resolução deste conflito não apenas determinará o futuro do acesso público a informações sobre disciplina militar, mas também servirá como um termômetro para a maturidade democrática do país, testando sua capacidade de equilibrar a necessidade de segurança nacional com o imperativo de transparência e responsabilidade perante a população.”, diz o jurista
A disputa pela divulgação de informações sobre punições disciplinares nas Forças Armadas do Brasil ultrapassa o âmbito jurídico, adentrando no terreno da ética pública e da responsabilidade social. Enquanto as Forças Armadas buscam proteger seus princípios de hierarquia e disciplina, a sociedade clama por transparência e supervisão. O impasse, catalisado pelo caso Pazuello e pela persistência da Revista Sociedade Militar, não só desafia os limites da LAI, mas também serve como um indicativo da necessária evolução da relação entre militares e civis em um contexto democrático.
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